O povo indígena Apurinã, no Amazonas, tem vivenciado uma série de transformações sociais, econômicas, linguísticas e culturais nas últimas décadas, devido ao intenso processo de colonização no sul do estado, à perda de territórios tradicionais e à intensificação da relação com a sociedade envolvente. Cientes de que a língua é um referencial importante de sua cultura e identidade, os Apurinã estão promovendo sua revitalização – o que representa um marco significativo para as novas gerações.
A partir desse processo de revitalização linguística e cultural, surgiu a proposta de se construir uma aiko, forma tradicional de casa que está se perdendo. “Desde o município de Labreá a Boca do Acre, não se via mais nenhuma”, disse a assessora de projetos do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), Ana Patrícia Ferreira. Um dos motivos de terem deixado de fazer esse tipo de moradia é a escassez da palha, cada vez mais difícil de ser encontrada na região. O envolvimento nas atividades teve a participação de cinco comunidades: Vera Cruz, São Benedito, Boa União, Nova Vista e Xãmakery.
Com a construção da aiko, planejou-se a realização da festa tradicional Kyynyry, que também está se perdendo da memória dos Apurinã. “Foram dois dias de festa, 14 e 15 de setembro, entrando pela madrugada, com muitos cânticos puxados pelos ‘toty’, velho em Apurinã, e os seus ‘meete’, pajés, com fartura de comida e bebida: vinho de patoá, carnes de peixe, caças, patoá, cará, batata, macaxeira, bacaba e beiju”, disse Ana Patrícia.
Um dos participantes da festa foi o toty Camilo, de 109 anos, que também participou ativamente. Camilo é um dos toty mais conhecidos e respeitados no médio Purus.
Este ano, as comunidades Vera Cruz, Boa União, Nova Vista de Pauini e Kamikua de Boca do Acre participaram do Kyynyry, com aproximadamente 150 pessoas. Na chegada, cada comunidade apresentou cantos e danças e a saudação tradicional sãkyre. Para os toty, velhos, e as kyro, velhas, foi um momento de reviver costumes tradicionais e, ao mesmo tempo, passar para os mais novos conhecimentos dos quais elas e eles são detentores.
O que aconteceu na comunidade Xãmakery foi um marco e um registro importantes para as futuras gerações – muitas crianças e jovens estiveram presentes. Mesmo sendo hoje a palha uma matéria prima escassa, a persistência no resgate da moradia tradicional foi entendida e compreendida como importante característica cultural e indenitária do povo Apurinã
Construção
O trabalho teve início no mês de agosto de 2017, com o envolvimento das comunidades Xãmakery, onde foi feito a aiko, Boa União e Vera Cruz. A casa usa madeira, palha e cipós, que amarram as palhas, pois não se usa pregos.
Nos meses de setembro a dezembro foi feita a armação e em janeiro de 2018 a construção foi finalizada. A comunidade Xãmakery organizou-se para buscar as palhas e depois trançá-las, para cobrir as paredes e o teto.
Os meses de agosto e setembro foram dedicados à caça, pesca e colheita de alimentos, para serem servidos durante o Kyynyri.
Fotos: Ana Patrícia Ferreira/COMIN
Fonte: FLD